Aconteceu em
Lisboa.
Braços
cruzados, o herói fitava para além dos telhados das casas sobranceiras, de um 3º
andar da Avenida da Liberdade. Concebia o plano de dobrar todas as esquinas contemplativas
da cidade até reencontrar a visão magnífica da beleza materializada mulher.
Quando a
conheceu, jurou tratar-se da mais perfeita união dos planos humano e divino. O
“seu formidável vulto solitário” “enchia” os lugares, em si conjugando intrinsecamente
elementos físicos e sobrenaturais.
Tudo nela
fazia um sentido estupendo, o vestir e o calçar adquiriam uma dimensão de
milagre, todos os acessórios lhe conferiam um brilho identitário singular, a
moda seguia-a por todo o lado. Ela era a representação concreta da simbiose entre
o porte imponente do leão e o voo majestoso da águia, qual grifo encarnado…
“Parecia
temê-la o mundo vário”, mas não o herói. Impulsionado pela vontade da
conquista, correu atrás dela. Porém, as suas asas magníficas levantaram-na do
chão, rasgou-se o lenço exclusivo e, na escadaria da perseguição, apenas um
sapato abandonado…
Não apenas
um sapato – era o sapato que contava histórias de eventos importantes, de desfiles
surpreendentes, de danças apaixonantes… o sapato que a distinguia, que dela
Vivia.
Ali naquele
3º andar, o herói empenhava-se na expansão do seu plano, esperando um sinal,
uma marca que o levasse até à heroína, sem a qual não poderia dar continuidade
à narrativa.
Agarrou no
sapato com a delicadeza que tal peça lhe merecia – deixou-se seduzir pelo
vermelho dos motivos, tateou os relevos do bordado, sentiu a mistura de cheiros
da excelência do fabrico… podia quase experimentar o deleite do artesão.
Sentiu-lhe o
interior sedoso, tomou-lhe o salto fino e a sola ainda pouco gasta – foi aí, na
região mais alta do sapato que o Grifo se revelou.
Era o logo,
a marca de distinção que o levaria a ela. Procuraria pelos acessórios da “Asa
de Grifo” por toda a terra e para além do mar, desafiaria os limites da língua
e da cultura, em nome do Sonho magnífico de um dia lhe entregar esse tesouro…
Continua…
Inclui citações e adaptações de
versos do poema da Mensagem de
Fernando Pessoa, “Uma Asa do Grifo”
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